Futuro da Indústria #07
Nesta edição especial, compartilho um artigo escrito em conjunto com o Fernando Aguirre, sócio da Fractal Ventures e um dos maiores especialistas que conheço no campo da servitização.
Esta é uma edição especial, fruto de uma parceria com o Fernando Aguirre da Fractals Ventures. O tema de novos modelos de negócios e servitização nos conectou e desde então temos discutido e levado para o mercado o conceito de servitização dos negócios. Desde manufatura como serviço para que as empresas foquem no core business de maior valor agregado, até na servitização do seu produto final, aumentando o valor de mercado da empresa, conforme vimos aqui anteriormente no estudo da EY (acesse aqui).
Veja abaixo o artigo escrito em conjunto. Para saber mais sobre a Fractal Ventures, acesse aqui e para se conectar com o Fernando, acesse seu Linkedin aqui.
Novos modelos de manufatura – Manufatura compartilhada (MC) & Manufatura distribuída (MD)
A aplicação dos conceitos de “serviços compartilhados”, normalmente mais conhecidos para atividades administrativas, é perfeitamente cabível e apropriada para o momento atual da manufatura, dado o descasamento crescente entre demanda (quem compra meu produto no preço justo) e oferta (quem consegue fabricar o que o mercado absorve num custo adequado).
Na manufatura compartilhada (MC), uma mesma planta ou linha consegue fabricar diversos produtos para clientes distintos. São quase sempre linhas seriadas configuráveis, permitindo o menor tempo de setup possível. Exemplos já existentes em segmentos como o de alimentos e bebidas, mas necessária franca evolução para os segmentos metais-mecânicos, como linhas de montagem de dispositivos que possam ser utilizados por diferentes marcas de clientes.
Já a manufatura distribuída (MD) é capaz de ter partes do processo sendo feitas em locais distintos. Se temos a necessidade de fabricação ou processos “spot” - como processos de usinagem - qual o benefício em manter uma estrutura verticalizada, ao invés de localizar esses baixos volumes para produção em fabricantes que tem mais especialização e mais escala, permitindo custos menores?
Entendemos que, no Brasil, há inúmeros desafios para a adoção de MC ou MD, sendo os principais os que destacamos abaixo:
Alta ociosidade nas plantas – muitas empresas padecem de ociosidade, porém os gestores não conseguem decidir sobre ajustar seu modelo de negócios e modelo operacional para MC ou MD - o que acaba aumentando o desafio conforme passa o tempo.
Crescente comoditização dos produtos - a queda nas margens de vendas aumenta a pressão sobre os fabricantes e aumenta o receio para a adoção dos modelos MC ou MD, dado o temor por perder diferenciais competitivos, como formulações ou relacionamento com clientes estabelecidos.
Custos proibitivos no Brasil - acabando por motivar a decisão por importação de determinados componentes e a desistir de buscar uma produção local. A guerra fiscal entre os estados da federação tem impactos históricos sobre os custos logísticos. E assim por diante…
Obsolescência dos parques fabris - sendo a parte que cabe ao empresário, mas que, após ter investido muito em sua fábrica há anos atrás, não consegue hoje ter capital suficiente para manter-se atualizado.
Ausência de incentivos para (re)industrialização - Necessários incentivos consistentes governamentais para a substituição de importações por uma nova indústria local competitiva.
Dificuldade de previsão de demanda - com diversas cadeias “quebradas” e, portanto, imprevisíveis, os efeitos-chicote são constantes - “morro de sede ou morro afogado”.
A adoção da MC ou da MD, ou de ambas, é a trilha de solução para a reversão dos desafios acima destacados, porém no longo prazo exige aporte de novos investimentos e a predisposição para que os empresários ou investidores renovem suas apostas no parque industrial brasileiro. Sem o apoio do governo na sinalização de incentivos (não subsídios) e regras claras, o que resta é a colaboração inteligente entre parceiros confiáveis para movimentos não menos relevantes e que poderão ser vistos pelos entes públicos como caminhos possíveis.
Com a MC vislumbramos a possibilidade de atualização tecnológica (green ou brownfield); a redução de plantas ociosas; assim como a possibilidade de aprimorar uma cultura de serviços.
Com a MD é possível ampliar a economia compartilhada, com utilização de capacidade ociosa; possibilitar também a criação de uma cultura de serviços; trazer uma receita incremental, ainda que não seja a princípio a receita “ideal”. Como vimos em outros mercados, esta receita que parecia não ser ideal, em diversos casos se tornou a receita principal e acabou por modelar novos modelos de negócios, como as dark kitchens para o mercado de delivery ou até profissionais em tempo integral dedicados para a atividade de motorista por aplicativo, no mercado de transportes.
O que difere a MD do tradicional outsourcing são os fluxos digitais e com alto teor de Lean que transformam todo o supply chain, atingindo um nível inédito de eficiência. Assim é possível ganhar escala e especialização no mercado spot.
Existem riscos técnicos e barreiras culturais na adoção de modelos de MC e MD. Normalmente o modelo de MD não é indicado para produtos complexos, dado os desafios de engenharia, não sendo também indicado para altos volumes que requerem otimização fina dos processos de manufatura. Porém, dado que a ociosidade tem sido um grande “desafio”, os modelos podem fazer muito sentido para uma redução dessa ociosidade. No caso da MC, sua adoção inadequada pode gerar efeitos negativos de pressão de preço, reduzindo margens da cadeia. É também necessário um inventário sobre as capacidades instaladas e o grau de aproveitamento, especialmente se pensarmos em flexibilidade para múltiplos produtos e ganho de escala.
O senso de propriedade do negócio e da fábrica é um grande detrator para a adoção de uma nova governança para MC e MD, tanto do ponto de vista da abertura para novos arranjos societários quanto para a caracterização de um negócio fabril sem possuir o controle de toda a manufatura. Confunde-se com frequência a venda da fábrica com a venda do negócio. A equipe sempre pressiona para fazer tudo dentro de casa (“sabemos fazer tudo!”), esquecendo que, de posse do projeto, muitas empresas poderiam fabricar as mesmas peças/produtos. Também as questões relativas à propriedade intelectual de determinadas tecnologias, muitas vezes se contrapondo às estratégias focadas na relação com o cliente e que podem sinalizar um caminho interessante para rentabilização do negócio. Portanto um modelo de governança que propicie equidade e transparência para os clientes - inclusive já validado em diversos segmentos, como já dito - alimentos, eletrônicos, saúde, etc - assim como sociedade com fornecedores através de consórcios, podem ajudar a reequilibrar uma cadeia inteira de fornecimento que esteja em dificuldade.
A contratação de um assessor que possa apoiar nas questões técnicas e de governança do modelo de serviços é fundamental, além do suporte para as questões econômico-financeiras, como um adequado valuation do parque de ativos, as decisões de Capex X Opex, as possibilidades de uso de incentivos tributários relacionados às leis de inovação, a capacidade de negociar incentivos interinos, sem claro esquecer da perspectiva futura da nova legislação face à reforma tributária. Não menos relevantes as questões relativas aos riscos trabalhistas, jurídicos e previdenciários, assim como a disponibilidade e capacitação de mão-de-obra que irá absorver novas tecnologias e processos.
O que há de comum entre a MC e a MD? Podemos dizer que muita coisa. A decisão de estratégia do que fazer internamente e onde utilizar parceiros é um ponto comum muito relevante. Além do aspecto de tomada de decisão, é relevante mencionar que a MC e a MD demandam tecnologia para adequada gestão dos contratos de serviços sendo prestados de parte a parte. Sem isso, o potencial para interpretações díspares da performance do serviço é muito alto. A orientação que fornecemos é de “plugar” coletores de dados nas linhas e apurar os principais indicadores, associados a um bom contrato. Mas voltando às questões estratégicas, vamos lembrar sobre a curva sorriso. Saber posicionar sua “marca” mediante a curva ajuda a evitar perda de foco e competitividade no seu mercado. Por exemplo, dentro da manufatura existe o “core” e o “non-core”, como por exemplo, a usinagem do spindle de uma máquina de usinagem versus o volume de peças usinadas da estrutura externa da máquina. Onde está o meu (seu) foco?
Conclusões:
A cultura de serviços precisa ser dinamizada e implantada na manufatura, sem que isto signifique uma desindustrialização. Ao contrário, viabiliza novos modelos de manufatura, com muita tecnologia, aumentando inclusive a sua atratividade para as novas gerações. Ajuda a viabilizar a Indústria 4.0 com retorno tangível, em muitos casos.
O Brasil está no meio do caminho, não temos um mercado pequeno para focar em exportação e não temos um mercado grande consumidor para garantir escala (temos um baixo PIB per capita apesar de uma grande população). O local da empresa de manufatura não é valor percebido pelo consumidor na maioria dos produtos industrializados, portanto setores que fabricam sob demanda sofrem com os picos e vales, resultando num alto custo para manter a operação fabril.
Nosso papel é seguir na jornada apoiando as indústrias estabelecidas no Brasil a se reconstruírem para as próximas batalhas.
Autores:
Bruno Diesel Gellert é CEO da Peerdustry Usinagem Conectada
Fernando Aguirre de Oliveira Júnior é sócio da Fractals Ventures
#servitization
#advanced_manufacturing
#distributed_manufacturing
#shared_manufacturing
#industry4.0
Obrigado por ler Futuro da Indústria! Assine a newsletter para receber gratuitamente atualizações sobre o meus pensamentos e ideias e apoiar meu trabalho.
Acesse as edições anteriores clicando aqui
Esta newsletter é uma publicação pessoal que contém apenas minha opinião e visão pessoal. Ela não representa nenhuma marca, empresa ou instituição citada
.