Futuro da Indústria #04
Nesta edição trago uma reflexão sobre o processo de compras de itens fabricados sobre encomenda, uma aplicação da curva sorriso para fabricantes de máquinas e uma visão sobre ativos industriais.
Neste mês de Maio estive em dois grandes eventos presenciais da indústria de manufatura, a Feira Expomafe e a Enafer, encontro nacional de ferramentarias. Fiquei muito empolgado com a quantidade de pessoas nestes eventos e também com o alto nível das conversas que tive com dezenas de pessoas. Sinto que as pessoas do mercado estavam esperando pela volta dos eventos presenciais e pela troca com os colegas. Particularmente, eu acredito que a indústria de manufatura, por operar em um ambiente muitas vezes “fechado” -uma fábrica -, precisa de eventos para encontrar colegas para discutir e abordar temas maiores do que o dia a dia.
Caso você conheça pessoas que estão em posição estratégica na indústria de manufatura, principalmente nos ramos de máquinas e equipamentos, por favor, me indique para eu bater um papo sobre o Futuro da Indústria.
Obrigado por ler o Futuro da Indústria. Apoie meu trabalho divulgando este conteúdo e se cadastrando para receber as novidades.
Se você recebeu esta newsletter de um amigo, clique aqui para se inscrever e receber diretamente.
Se gostar dessa edição, não esqueça de enviar para seus amigos e parceiros também lerem. Me ajude a montar um grupo de discussão de altíssima qualidade sobre a indústria Brasileira. Basta clicar abaixo.
O alto custo do processo de compras de máquinas e equipamentos customizados
O tradicional processo de compras B2B de máquinas e equipamentos, em especial os que possuem algum tipo de customização ou engenharia sob encomenda, gera um forte custo para a cadeia de fornecimento.
Imagine uma empresa, que busca por uma solução de uma linha de produção customizada sob encomenda. O processo tradicional de compras constitui-se em acionar alguns fornecedores, solicitar uma proposta comercial, equalizar as ofertas, negociar e efetuar a compra.
Este é o mesmo processo utilizado para compra-se itens comerciais, como por exemplo, copos plásticos ou lâmpadas. Para estes itens, cada vendedor envia seu preço, as características técnicas do produto, prazo e outros detalhes.
Acontece que para emitir uma proposta comercial de uma máquina, equipamento ou solução customizada na indústria, é necessário um grande investimento de engenharia prévio a venda.
Em muitos casos, a proposta comercial é resultado de um processo de análise de requisitos (muitas vezes não tão claro por parte do demandante), criação de um conceito ou uma solução para atender a necessidade do cliente, elaboração de um pré-projeto para levantamento de custos, estimativas de desempenho, simulações e uma série de esforços e horas gastas de um time de alto valor agregado na empresa ofertante.
Em uma avaliação simples, podemos pensar que uma empresa que convida cinco empresas a participarem da cotação por exemplo, demanda de um esforço de engenharia enorme multiplicado por cinco. Por razões obvias, certamente quatro destes empresas não serão contempladas com a venda, resultando então num custo de engenharia jogado fora.
Levanto a discussão para um novo modelo, onde o demandante é dono da solução ou de parte dela, depois vá a mercado buscando capacidade de entrega para tal solução e não exigindo o desenvolvimento da solução sem pagar por isso.
Elaborar uma proposta comercial baseada em engenharia tem um custo alto. O mercado não está acostumado a pagar por isso.
O que pode parecer um custo adicional para o cliente, o de comprar o projeto ou a solução, traz uma eficiência na cadeia que permite reduzir os custos, afinal no limite, o fornecedor não precisará embutir os custos de engenharia das propostas comerciais que não são compradas pelos clientes.
Este custo se traduz em parte do custo da cadeia, que tem por definição, um certo percentual no preço, dedicado a pagar o desenvolvimento de propostas não fechadas. Em um mercado com taxas de conversão baixas, inerentes do processo de compras, este custo é alto.
Neste possível modelo de organização de cadeia, a compra do projeto detalhado pelo cliente pode ser mais barato que o custo para a cadeia e com isso, o custo total de aquisição seria menor. Após a compra do projeto detalhado e da engenharia, o demandante teria que apenas eleger um fornecedor para avaliar o projeto, executar a fabricação e entregar a solução.
Estou discutindo constantemente a busca de um novo modelo, onde a eficiência do processo de compras pode trazer ganho de competitividade para a cadeia industrial no Brasil. E você? o que acha disso? Responda esse e-mail e me conte.
Curva Sorriso (Parte 3): aplicação em Fabricantes de Máquinas
Aprofundando o conceito da Curva Sorriso, que relaciona as etapas do ciclo de vida de um produto com o seu valor agregado, encontrei um artigo que trata do tema para o ramo de máquinas e equipamentos, entre outros.
Se você perdeu os primeiros posts sobre a Curva Sorriso, acesse por aqui:
Curva Sorriso e a comoditização da Manufatura (parte 1)
Curva Sorriso e a comoditização da Manufatura (parte 2)
O artigo de Richard Baldwin e Tadashi Ito, chamado The smile curve: Evolving sources of value added in manufacturing traz uma abordagem sobre o papel da manufatura no valor agregado nas exportações dos países. Os dados utilizados para as análises foram os dados abertos de importações e exportações dos países asiáticos, chamado de Asian Input Output, criado pelo IDE-JETRO e também os dados de importação e exportação mundiais, a WIOD (World Input-Output Database).
O estudo aborda que a composição das exportações dos países asiáticos mudou bastante de 1995 para 2005 e podemos ver o comportamento da curva sorriso em diversas indústrias de manufatura, conforme o gráfico abaixo:
Podemos ver no gráfico acima que as exportações dos países asiáticos do setor de máquinas e equipamentos tiveram a maior variação geral para a etapa de manufatura. Ou seja, avaliando o setor de fabricação de máquinas e equipamentos, as exportações de 1995 a 2005, tiveram uma significativa perda de valor agregado da etapa de manufatura. Por exemplo, o Japão teve uma queda de em torno de 12% do valor agregado de exportações de manufatura, enquanto no mesmo período, para o mesmo segmento de fabricação de máquinas e equipamentos, as etapas de serviços agregados aumentaram quase 10%.
O que podemos concluir desta questão é que, em geral, a manufatura do setor de máquinas e equipamentos, agrega menos valor do que as etapas pré e pós manufatura. Por exemplo, engenharia, desenvolvimento, design e branding geram maior valor agregado do que a manufatura, assim como vendas, serviços, novas funcionalidades, serviços digitais e outros.
Na prática, agregar valor a uma máquina, com sistemas digitais, controles e softwares modernos, inteligência artificial e outras tecnologias tem um maior impacto do que a manufatura do equipamento em si.
O artigo é muito interessante e vale a pena ser estudado em detalhes.
Quanto tempo uma máquina deve funcionar por dia? (Parte 1)
Ainda é comum deixarmos nossos carros parados 95% do tempo, enquanto não estamos nos deslocando de casa para o trabalho ou para o lazer. O custo de um ativo, como o carro, poderia ser comparado com o de uma máquina industrial, onde o tempo utilizado por dia é uma função do retorno do investimento financeiro.
No setor industrial, temos uma grande dispersão do uso da capacidade produtiva das plantas fabris no Brasil. Setores intensivos rodam de forma contínua, enquanto outros setores trabalham por turnos ou até setores que comercializam itens sob encomenda, acabam ocupando sua manufatura com certa sazonalidade.
Avaliando custos, sabemos que quanto mais tempo o ativo passar produzindo, no caso de uma máquina industrial, mais diluído será o custo fixo da empresa e eventualmente maior será a margem da empresa ou menor será o preço do produto manufaturado.
Segunda a CNI, o Nível da Utilização da Capacidade Instalada em Abril de 2023 foi de 78,9%, ou seja, em geral e na média, utilizamos 78,9% da capacidade industrial instalada em nosso país. Mas o que isso significa?
Estudei o assunto e fui atrás dos formulários de pesquisa que compõem este indicador. O que eu percebi é que ele retrata a capacidade industrial atrelada ao regime de trabalho de cada empresa como é hoje e não o real potencial da capacidade instalada pensando-se na maximização do uso dos ativos industriais.
Por exemplo, qual opção você consideraria o tempo total disponível do seu aparelho de celular?
a) o tempo total que o telefone está em sua posse?
b) o tempo total que o celular está na sua mão e desbloqueado?
Em outras palavras, se a empresa está operando em um turno, ela costuma responder a pesquisa com o uso relativo ao período de um turno. Isso se aproximaria do caso b).
Me perguntei qual seria a utilização atual caso olhássemos para o Brasil como 24 horas de capacidade produtiva, ou para fins práticos, 22 horas. Encontrei um estudo de 2005 da Fiesp que buscou saber em média, quanto era o período total considerado pelos industriais ao responder o questionamento.
A pesquisa com a base selecionada retornou que naquela época, 2005, 62% das empresas trabalhavam em um turno, 19% em dois turnos e outros 19% em três turnos. A média foi de 1,6 turnos.
Assim, quando temos um valor de NUCI de 80% por exemplo, estamos nos referindo em média a 80% de utilização para um período de 1,6 turnos. Sendo assim, se pensarmos num país que quer rodar 3 turnos para reduzir o custo fixo das operações de manufatura, temos quase mais duas capacidades produtivas dentro do Brasil, do tamanho do Brasil.
Logicamente, com investimentos em automação e melhoria de processos, existe um ganho potencial de eficiência, custos e produtividade. Qual seria o aumento de margem ou competitividade se nosso parque fabril fosse virtualmente utilizado 100% de 22 horas por dia? Se você tiver uma visão sobre isso, por favor, me escreva.
Na próxima edição vou trazer insights de como podemos pensar em usar tecnologia para aumentar o uso da capacidade industrial instalada no Brasil. Na Peerdustry Usinagem Conectada, trabalhando nisso há alguns anos para o ramo de usinagem spot. Se quiser saber mais, me chame respondendo este e-mail.
O que falta para avançarmos na digitalização da indústria de manufatura no Brasil?
Depois de estar ativamente envolvido no tema indústria 4.0 desde 2014, posso dizer que com todos os avanços que tivemos em termos de conhecimento das tecnologias, ofertas de soluções, cases reais de aplicações, avanços tecnológicos, digitalização dos hábitos da pessoa física, ainda existe uma grande barreira para a adoção da digitalização na indústria de manufatura.
Claro que o mercado é heterogêneo: grandes empresas globais estão muito avançadas em geral e pequenas e médias empresas costumam estar mais para trás nesse processo.
Na minha visão, uma das maiores barreiras hoje é o mindset, ou seja, a visão dos empreendedores do setor.
Para ilustrar isso eu comparo com a utilização da tecnologia de videoconferência.
Antes da pandemia, já existiam o Google Meet, o Microsoft Teams e até o Zoom, porém raramente tais tecnologias eram utilizadas no mercado B2B industrial. A visita presencial era mandatória.
Quando entramos na pandemia, migramos em massa para as ferramentas citadas acima. As vendas de webcams chegaram no limite da oferta. Microfones e fones nunca foram tão requisitados.
Passado a pandemia, voltamos a fazer reuniões presenciais, porém com muito mais eficiência e as reuniões via videoconferências se mantém para diversas ocasiões e momentos.
A tecnologia já existia, mas porque precisamos da pandemia para mudar o habito?
É assim que eu vejo o tema de digitalização da indústria. A tecnologia está disponível, e precisamos mudar os hábitos antes de esperar mudar a geração no controle das empresas, senão, pode ser muito tarde.
Notícias, leituras e assuntos relevantes:
Consulta Pública do MDIC: PLANO DE REDUÇÃO DO CUSTO BRASIL 2023-2026
Em evento na Fiesp, Mercadante anuncia medidas do BNDES para fortalecer a indústria brasileira
Comitê executivo do CNDI define missões para construção da política industrial
Obrigado por ler Futuro da Indústria! Assine a newsletter para receber gratuitamente atualizações sobre o meus pensamentos e ideias e apoiar meu trabalho.
Acesse as edições anteriores clicando aqui
Esta newsletter é uma publicação pessoal que contém apenas minha opinião e visão pessoal. Ela não representa nenhuma marca, empresa ou instituição citada.